Por Mayra Fernandes
No alto do Parque Eduardo VII, em Lisboa, está um dos monumentos mais votados nas “Grandes Aberrações” e até lhe chamam o “pirilau”. Mas João Cutileiro, o autor da obra, lembra que “o jacto de água do Lago de Genebra tem uma ejaculação muito maior”.
Quem sobe o Parque Eduardo VII e se coloca ao lado do Memorial ao 25 de Abril tem uma vista privilegiada de uma Lisboa de mamarrachos e maravilhas, onde não ouve o bulício da cidade, nem as buzinas que soam na rotunda do Marquês de Pombal mais abaixo. Os turistas perdem-se de amores pelo jardim que desce até à rotunda e no panorama têm o Castelo e o rio a tentarem contrariar qualquer monstruosidade. Mas ninguém se apercebe do monumento que muitos consideram uma das coisas mais feias de Portugal.
Adjectivada de todas as formas, “pirilau” é, no entanto, a designação mais comum a que João Cutileiro já está habituado e “até acha graça porque é sinal de que há uma grande carência de pirilaus neste país. Perante as dúvidas do povo em relação à mensagem que o memorial pretende passar, o escultor não diz palavra, considera que a peça representa-se a si mesma e revela um certo desconforto em relação aos outros escultores que falam sobre o que fazem.
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Idalina Sousa tem uma banca de panos e toalhas tipicamente portugueses, está aqui há cinco anos e não entende o memorial. Nem ela nem as pessoas que passam de visita e que “perguntam sempre o que é isto”. Para a vendedora podiam ter feito “uma coisa melhor neste sítio, porque isto não diz nada, nem aqui, nem noutro lugar”. Dos turistas que a indagam sobre o memorial, os espanhóis são os que gostam mais, “mas os ingleses e os americanos não, principalmente quando dizemos que lhe chamamos ‘pirilau’, ficam escandalizados”, explica.
Enquanto compra uma toalha com o Galo de Barcelos no padrão, Virgínia Gomes de Castro elogia o lugar, a praça, a vista, que são “belos, mas o monumento é bruto”. A arquitecta brasileira veio conhecer Portugal e ficou maravilhada com o Botero. Já o memorial não corresponde ao pedido que foi feito: “Está escondido, é pequeno e quando chegamos perto vemos que é feio, parece uma peça brutalista, mal acabada, sem leveza nenhuma”.
(...)A obra que à primeira vista pode parecer apenas um amontoado de pedras sem significado também suscita outras interpretações: “No meio está o suporte (Portugal) e à volta estão cinco hastes, representando possivelmente a ex-colónias em África que dependiam de Portugal”. Esta é a explicação dos italianos, Laura e Giovanni, que estão em Portugal pela primeira vez e ficaram surpreendidos com o nome popular do monumento. Laura é estudante de arte e considera importante ter algo “novo a que se pode dar um significado e ter algo anterior a isso, a mistura dos dois é muito boa para a cultura do país”.
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O autor afirma que a estátua “não foi feita para se gostar ou não”, contrariando a posição da maior parte das personalidades contactadas pelo “T&Q”.
Aos 70 anos, João Cutileiro recebe bem a crítica e quando questionado sobre como reagiria se soubesse que uma das suas obras foi sugerida no programa escolar dos alunos de Arte responde que o País “é de gente envelhecida, não tem grandes estudos sobre criadores anteriores”, por isso, não acredita que alguma coisa sua possa ser estudada num plano curricular.....